Âmago

       POESIAS & CRÔNICAS  

(Essencial como metáforas)

 

Estava eu sentado, praticamente só, na arquibancada de um dos campos de futebol, apreciando o rachão, quando ao meu lado, senta-se o rapaz cujo nome, na ocasião, batizou a poesia. Após as apresentações, passou a me contar as agruras de se sentir uma pessoa diferente, desajustada, discriminada. Como se nos conhecêssemos há séculos.

 

Com um tom de voz tímido, perguntou-me, a princípio, o que eu via de interessante em acompanhar aquela pelada, já que ele não entendia o fato de o discriminarem, entre outras coisas, por não gostar de futebol; e que ali sentou por curiosidade em saber o que via eu de tão interessante “naquilo”. Começamos então a divagar sobre os gostos e a tolerância em respeito ao âmago de cada um. Ele me parecia tristemente conformado e até certo ponto resignado a um dito poder divino que segundo ele, sua família católica interpretava como vocação ao celibato, e consequentemente, ao presbitério.

 

Ouvi muito mais que falei. Ele falou de tudo, menos futebol. Mas uma das questões, da qual lembro até hoje, até mesmo pra justificar os sentimentos supostamente insensatos, é de ter falado do amor que tenho pelo Flamengo, desde menino, quando assisti pela primeira vez, levado pelo meu pai, a um Fla-Flu no Maracanã. 

 

Foi quando vi Zico jogar pela primeira vez. Ainda nos juvenis. Meu pai teve muito trabalho em me convencer a não querer ir embora após a preliminar, dizendo que iríamos ver Dionísio “o Bode Atômico”, centroavante do Mengão. Pra quê? Já tinha visto “o Galinho de Quintino”!?

 

Tive que falar de um amor por um clube, que quando ocorre, é eterno. Por melhores que sejam as pelejas entre os demais, em nada nos emocionam. Só o nosso “time de coração” tem o poder de nos proporcionar espetáculos de amor, ira, tristeza, alegria, de nos alçar do assento, de nos roubar o sono, de ... espere aí! Agora me ocorreu: E se meu pai não fosse flamenguista?

 

Meu Pai é pai, não é padrasto... tanto, que mesmo antes de me apresentar a Zico, já havia me contado sobre "Rubens, Dequinha e Pavão". Antes mesmo de Joãozinho, seu contemporâneo do Méier, dos tempos da "turma do Imperator", efetuar as três substituições, trocando Rubens, Dequinha e Pavão por "Zico, Adílio e Adão".

 

Futebol em pura história, poesia e música de Wilson Batista e Jorge de Castro, em "Samba Rubro-Negro" na voz de Joãozinho (Nogueira)....

 

 

E quanto ao papo do início da prosa, voltando ao campo do SESI e precisamente com Robertson, é claro que conversamos sobre essas questões de homossexualidade de forma não tão direta quanto hoje se aborda em qualquer e quase toda telenovela. Aliás, hoje em dia já não é mais chamado de "homossexualidade"; e sim de "homoafetividade".

 

Como se apenas a nomenclatura fosse capaz de modificar os preconceitos e as intolerâncias na alma das pessoas...

 

Bem melhor ouvir essa canção do Jorge Vercilo, que aborda o tema com extrema sensibilidade em "Avesso"....

 

 

Mas o mais importante nisso tudo, não é a justificativa de comparar o amor que tenho por um clube, ao amor que se tem por alguém do mesmo, ou do sexo oposto. Sinto que esse "detalhe" já me fez justificar para minha filha, homoafetiva, que ao me contar o seu "segredo", ouvir de mim, a resposta: "Você é sapatão?!! Foda-se, filha!! Eu sou Flamengo!! E não me peça para explicar o porquê. Porque amor é incondicional".

 

Como disse Djavan, "Por ser amor, invade e fim".

 

Todos os anos, definem-se dias específicos para celebrar "datas" específicas. Entre elas, o dia do orgulho gay. Acho que a palavra mais oportuna que define esse dia, é "orgulho". Tanto que este ano, 2021, enviei pelo WatsApp, a todos os meus amigos gays, simpatizantes, sensíveis e despreconceituosos, essa mensagem:

 

'LGBTQIA+

 

Desde quando me reconheço por gente, nutro uma admiração natural por tudo que foge ao padrão.

 

A padronização sempre foi pra mim o cerceamento do inusitado.

 

Sempre acompanhei com estranheza, a forma como as sociedades em geral, se assustam e recriminam tudo que foge ao padrão comportamental "arqueologicamente" evolutivo: muito lento!!

 

Recentemente, percebo a ebulição de um movimento calcado no respeito às minorias. Como se as minorias fossem realmente, minorias.

 

Talvez sob o aspecto quantitativo, sejam realmente minorias. Porém sob o aspecto qualitativo, sejam maiorias.

 

Traçou-se uma linha utópica para quebra do preconceito, calcada no respeito. Esquecendo-se que o verdadeiro respeito, mesmo que imposto, não é respeito. É medo das consequências legais perante a quebra do respeito sugerido pelas leis. O que nem sempre funciona. Tanto o respeito, quanto as leis.

 

O VERDADEIRO RESPEITO VEM DA ADMIRAÇÃO!!!

 

Tudo o que necessariamente respeitamos, nem sempre admiramos. Mas tudo o que admiramos, consequentemente respeitamos.

 

Parabéns meus AMORES!! Extensivo a todos os meus, os seus, às nossas admiráveis amizades conhecidas (ou ainda não), Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais ou vestis, "Queer" (que ainda não sei bem ao certo o quer dizer, mas já admiro pela carga emocional inusitada que carrega), Intersexuais (cuja carga, além de emocional, é física), Assexuais (que sexualmente, podem amar de forma assintomática) e (+) tudo mais que pode vir a haver em matéria de amor sem padrões.

 

Entre esses (+): eu. Simpatizante de "TODA FORMA DE AMOR", meus amores!!!. PARABÉNS PRA NÓS!!!'

 

Para elucidar esse sentimento de orgulho que nutro por todos os que enfrentam os preconceitos estabelecidos por uma sociedade mesquinha e hipócrita, reverencio uma canção da Liniker, em respeito e admiração pelo fato de ter sido corrigido pela minha filha, ao falar pra ela: "adorei essa canção do Liniker".

 

"Não, pai. Uma canção da Liniker".

 

Obrigado, filha. Você me enche de orgulho em ser seu pai.