Soneto de Principiante

       POESIAS & CRÔNICAS  

(A indução artística)

 

Me conceda a honra e o prazer de abrir e fechar essa última crônica na voz e melodia de Milton Nascimento, em poesia de Fernando Brant?

 

(Nos Bailes da Vida - Milton Nascimento e Fernando Brant)

 

Pois certa vez, acompanhando pelos bares da vida, um amigo músico, a quem dediquei a poesia, quando este era desconhecido do grande público, percebemos que sempre que ele tentava mostrar um trabalho autoral em meio ao repertório tradicional de sucessos pra entreter e animar a platéia, chegava a ser constrangedora a forma como o público desprezava suas canções autorais ao primeiro acorde. O que frustrava e entristecia profundamente meu amigo, que nessas horas, cantava pra quase ninguém. Eu sempre ouvia e cantava junto porque já as conhecia e apreciava. Tempos depois foram agraciadas com certo sucesso. Mas nesse dia, num intervalo, após vários desprezos, tive a idéia de “promovermos” uma de suas canções. Ele relutou, mas acabou aceitando mediante uma aposta.

 

Combinamos que antes do próximo intervalo, antes de apresentar uma autoral, ele mentiria à platéia dizendo que por ter participado das gravações do novo LP, tocaria em “avant-premiere”, uma inédita do Djavan. E ele tocou. O bar parou pra ouvir. Mandou uma, que já havíamos até comentado, possuir o suingue do alagoano.

 

A galera ouviu com atenção e aplaudiu bastante. Mas o tiro saiu pela culatra. Quando tivemos a idéia, a intenção era mostrar que as pessoas são induzidas artisticamente, não é nada pessoal. Ou melhor, é absoluta e artisticamente pessoal. Mas ele acabou se achando um “plagiador” de Djavan. Um “cover” da própria canção. E até hoje, não a gravou, nem a cedeu pra alguém gravar. Diz que a canção é intimista. Até o entendo, pois também guardei por décadas estes poemas por considerá-los, além de adolescentes, “particulares”, pois foram praticamente todos dedicados e presenteados às pessoas que me inspiraram na criação.

 

Já nem lembrava mais dessa história da indução “Djavanesca”. Só recentemente recordei, ao ver o filme francês “Intocáveis”, quando o aristocrata Philippe (François Cluzet) vende o primeiro quadro do seu assistente Driss (Omar Sy), como sendo de um “suposto promissor pintor”, por um valor significativo, aparentemente por indução artística baseada na eloquência. Dessas induções, surgiu o "insite" deste projeto em site.

 

Uma amiga editora, chegou até a sugerir que fizéssemos uma espécie de concurso do tipo “Quem é o autor?”, pois, segundo ela, seria fácil induzir que o estilo literário já se fazia perceptível nessa época das primeiras poesias. Insinuando se tratar de um poeta famoso. Descartamos a idéia, pois se tratava mais de um apelo promocional indecoroso e imbecil, o que infligiria o propósito do projeto; que é discursar sobre o peso que um nome supostamente consagrado impõe a uma obra, assim como um troféu de estante, seja este um livro, um LP ou CD, confere ao proprietário da estante, a sua intelectualidade, e não o seu gosto.

 

Pra sintetizar toda essa babaquice conceitual de beleza e feiura, "cult" e brega, "in" e "out"; ou ainda o que de pior vier por aí em matéria de babaquice, aí vai para quem duvida: uma canção de gosto "duvidoso". Para os fora de moda: uma "moda de viola". E para os que não se emprenham pelo ouvido: uma canção...

 

(Serenou na Madrugada - folclore adaptado por Raimundo Fagner com participação especial de Bruce Henry)

 

Mas como quem se arrasta nas ponderações, no intuito de estender o discurso, para que tudo não se acabe aqui e agora; posso voltar ao início do conceito?

 

Antes de fechar essa prosa, me permita deixar uma consternação, constatação; ou contestação a respeito da poesia quando transformada em música?

 

Esse mesmo amigo, intuito desta poesia&prosa, declamava essa letra com toda a propriedade e entonação que ela merece, enquanto poesia:

 

O segurança me pediu o crachá

Eu disse: Nada de crachá, meu chapa

Eu sou um escrachado, um extra achado num galpão abandonado

Nada de crachá

 

Sei que o senhor é pago pra suspeitar

Mas eu estou acima de qualquer suspeita

Em meu planeta todo povo me respeita

Sou tratado assim como um paxá

 

Essa aparência de um mero vagabundo

É mera coincidência

Deve-se ao fato

De eu ter vindo ao seu mundo com a incumbência

 

De andar a terra

Saber por que o amor

Saber por que a guerra

Olhar a cara da pessoa comum e da pessoa rara

 

Um dia rico, um dia pobre, um dia no poder

Um dia chanceler, um dia sem comer

Coincidiu de hoje ser meu dia de mendigo

Meu amigo, se eu quisesse, eu entraria sem você me ver.

 

 

Mas quando Gil traduziu essa obra poética em música, fez parecer, talvez propositalmente, que também quisesse passar despercebido...

 

(Extra 2 - O Rock do Segurança - Gilberto Gil)

 

Mas não passou "em branco" por todos. Como um hábil enfermeiro, soube aplicar a injeção.

 

Então só me resta fechar, como dizem, com "chave-de-ouro". Com uma canção que encerra como tudo na vida se encerra: com um ponto final.

 

(Ponta de Areia - Milton Nascimento e Fernando Brant)