Rua Juruviara

       POESIAS & CRÔNICAS  

(Um cacoete)

 

Quando me lembro da infância, a primeira coisa que me vem à mente é o quanto se brincava na rua. Não consigo sequer lembrar de todas as brincadeiras, muito menos como as aprendemos brincar. Brincávamos. Eram inúmeras. Com bolas, carrinhos, botões, estilingues, pedras, madeiras, rolimã, pipa, marimba, bicicleta, patins, skate, enfim; até com um pregador de roupas, um grampo de cabelo, um pedaço de naylon e uma caixa de fósforos grandes, de preferência, fazíamos uma balestra incendiária pra brincar de Guilherme Tell.

 

Existem ponderações típicas, que se repetem por gerações e que ainda espero ouvir das próximas. Como “essa garotada de hoje não sabe o que é brincar. No meu tempo....”.

 

O que mais me impressiona não é o fato das brincadeiras serem recicladas ou substituídas por outras; e sim a busca do amadurecimento pela competitividade cada vez mais precoce. Pais empreendedores que levam os filhos a “brincar de ganhar grana” já tão cedo, tendo a inocência a sua idade cada vez mais curta.

 

Hoje, tendo visto de muito perto o nascimento do "pacman" e do "pingue pongue virtual", na época em que os pais, há efetivamente duas décadas, enchiam seu filhos de gorduras trans, em biscoitos e fandangos, enquanto os abandonavam em frente aos "Ataris" e similares.

 

Porém agora, chega-se à conclusão, que fomentaram um novo esporte: os eGames. E fizeram de seus filhos atletas ou "game designers" propriamente ditos.

 

Não tenho nada contra isso, muito menos a favor. A vida segue imponderavelmente, o seu curso.

 

Só que no meu tempo, me jogaram na escola aos seis anos, pois brincando com o jornal, aprendi a ler mais cedo. Mas com a precocidade, acabei tendo dificuldade com algumas consoantes, por não ter passado pelo processo de alfabetização formal. No início, fiquei tatibitati também na escrita. Na hora do ditado, era complicado até pra escrever “ditado” no início da folha.

 

O que me recordo ainda com tanta clareza era do sentimento de angústia que tinha nas primeiras semanas de escola, quando, ao soar a campainha para o perfilar das turmas para cantarmos o Hino Nacional, fugia dos professores e monitores como a brincar de pique, pulava o muro da escola e fugia pra casa.

 

Meus pais tiveram que recorrer paralelamente a um trabalho de adequação pedagógica pra que eu não “perdesse” o ano “ganho” ao pular o muro, uma série. Complexo, não? Imagine para uma criança de seis anos. Querer antecipar etapas não é de hoje.

 

Às vezes me pergunto o que se ganha ao chegar aos dezesseis, dezessete anos, tendo que escolher tão cedo o rumo profissional a seguir. Talvez seja essa a resposta a uma pergunta simples:

 

– "Ser diretor ou dono de uma grande empresa aos vinte e nove! Quem sabe antes.." – Dirão os prematuros.

 

Trabalhei com uma pessoa que tinha um comportamento, digamos não condizente com sua idade. Frequentava, interagia e agia como os participantes de um grupo de uma faixa etária duas décadas mais jovem, do qual eu fazia parte. Em certas ocasiões essa interação tangenciava o ridículo. Uma vez conversando sobre como ele se sentia a respeito, disse-me que na vida, quando não se vive as etapas típicas de cada faixa-etária, estas etapas não são “puladas”. São adiadas para serem vividas depois.

 

Assim se tornou fácil entender o que é tangível ao aparentemente ridículo: É apenas uma fase não vivida de alguém.

 

(Ao Nosso Filho, Morena - Oswaldo Montenegro)