Filosofia

       POESIAS & CRÔNICAS  

(à memória de Mário Mello Salgado)

 

A AIDS, naquele tempo, idos de 80, apesar de ser preconceituosamente considerada uma doença ligada apenas a homossexualidade, levou à morte alguns amigos de infância ligados às drogas injetáveis e sexo promíscuo.

 

Sem intenção alguma em criticar padrões de comportamento, todas as gerações carregam suas conquistas e fardos.

 

A maior alusão que faço ao enorme talento pra vida que possuía meu amigo de infância ao qual dediquei a poesia, era a total devoção ao ato de viver intensamente. Mesmo franzino, todos os espaços pareciam pequenos para ele. Desde carrinhos de rolimã, selins de bicicleta, bancos de carros, barzinhos, boates, quartos de bordéis, enfim, em todas as situações em que estivesse, era como se o espaço não o contivesse.

 

E essa extrema intensidade de todos os seus atos, fez com que o apelidássemos de “Vibrador”. Não por viver a vida de forma extremamente entusiasmada. Na verdade o apelido surgiu de uma observação de um amigo comum, já na adolescência: “Mário, você parece um vibrador de 110 ligado em 220”. Daí surgiu “Vibrador 220”, depois, “Vibrador”.

 

Esse mesmo amigo comum, o Alvrinho, também me pôs um apelido, de "Fiapo", em alusão ao meu "exuberante" porte físico. Mas voltemos ao foco: Mário.

 

Às vezes, quando me remeto às lembranças, penso em pessoas que passaram pela vida numa curta existência, e como se soubessem que não durariam muito, intensificavam o viver.

 

Confesso que o meu ritmo, mais contemplativo, ajustava-se perfeitamente a "porralouquice" do Mário, mesmo sem cumplicidade. Como se ele precisasse apenas ouvir de alguém: “Vibrador, vai dar merda.... “

 

Ah, deixa eu contar essa... fomos uma vez, eu e Mário num barzinho “papo-cabeça” chamado MPB Bar, no Méier, onde um amigo nosso tocava e era de lei rolar “Andanças - Olha a lua mansa a se derramar.....” só pra se ter uma idéia de como o ambiente era Zen. Mas o Vibrador era foda. Não podia ver uma mulher bonita, mesmo distante, que ele jogava todo o seu charme, falando com a tecla “MUTE” ativada, como se elas fossem especialistas em leitura labial. Nesse dia, com certeza, o namorado da menina que ele cortejava a distância, fez a leitura labial e chamou o Vibrador pra porrada. Detalhe: O Vibrador também era metido a faixa preta de karatê (ficava engraçadão naqueles quimonos “pescando siri” com as canelinhas pra fora). Mas nesse dia ele preferiu uma cena mais cinematográfica: estufou o peitinho de pombo, passou a mão numa cerveja pelo gargalo, e em meio ao silêncio que se fez e a roda que se abriu, quebrou a garrafa na quina do balcão, na intenção de ficar com o gargalo. Mas numa mistura de drama e comédia, o estilhaço da garrafa abriu-lhe um corte no braço, que lhe valeram uma desmunhecada hilária (ele não podia ver sangue), quinze pontos no Hospital Salgado Filho e uma semana de zoação.

 

Esse era o Mário.

 

Ah, a porrada? Claro que não rolou. A comédia venceu o drama. O espaço era pequeno demais pro vibrador.

 

Assim como esse espaço em seu tributo, por não contê-lo, requer uma concessão: Apesar de tratarmos de poesias e crônicas em português, havia um clássico dos anos 80, que quando Mário ouvia, geralmente ao volante de seu mavecão 6 bocas, não conseguia se conter.

 

Sinto-me na obrigação póstuma de reverenciá-lo na alegria, com esse som....

 

(I'm So Glad That I'm a Woman/autor: Frank Wilson/intérprete: Love Unlimited)

 

E na tristeza, com o réquiem do seu funeral ao som de "Sentinela", de Milton Nascimento e Fernando Brant, na voz de "Bituca", Nana Caymmi e o Coro de Beneditinos no Canto Gregoriano....