Minha Família

       POESIAS & CRÔNICAS  

(Usando palavras para o que não se quer dizer)

 

Durante uma aula de gramática, sobre a homofonia, quando palavras distintas em grafia, possuem a mesma sonoridade crua, apesar de sentidos distintos, como "sento" e "cento", ou "sinto" e "cinto", a aula deveria ser de literatura, quando me ocorreu "Sentar o cinto pra sentir poesia" no melhor estilo Augusto dos Anjos.

 

Quis ampliar o sentido de homofonia, de palavras a frases; de sentidos distintos, a antagônicos.

 

Foi só o que quis fazer.

 

Porém, como minha família nunca foi exemplo de sensatez, desenvolvi uma incrível "capacidade" de interpretar a fonética de uma forma muito louca.

 

Era como parecer falar inglês naquelas brincadeiras em que se diz:

 

"O ó que som tem?"

"O ó tem som de ú?"

 

E as pessoas suspeitarem que você está falando; ou tentando falar inglês!

 

Por isso nem sempre me faço entender através da fala. Passei a me sentir muito mais à vontade na escrita.

 

Mesmo assim, ao deparar com Ferreira Gullar no calçadão de Ipanema, interpelá-lo e conseguir que apreciasse minhas poesias em seu local de trabalho, acabei por receber seu veredito: "Você é ininteligível".

 

Seqüelas....

 

 

(Usando atitudes para o que as palavras não dizem)

 

Entretanto, mesmo distante do tempo dessa poesia e de suas motivações para criação, nada como esse mesmo próprio tempo para aquietar os arroubos joviais. E tempos depois, ainda filho, porém já pai, possa começar a ver a vida sobre outros aspectos... é sempre assim.

 

Em agosto de 2013, inusitadamente, nas comemorações pelo dia dos pais, ao ler a coluna do Renato Maurício Prado, onde ao final é prestada uma homenagem ao seu já ausente pai, ocorreu-me a ideia de presentear o meu pai, ainda vivo e octogenário, levando-o ao novo Maracanã para assistir a um Fla-Flu.

 

Fla-Flu que segundo Nelson Rodrigues, quando de sua primeira edição, precedeu a origem do universo. E coincidentemente, como já comentado aqui na crônica de "Âmago", também originou meu universo rubro-negro, quando ainda garoto, levado pelo meu coroa, a assistir pela primeira vez, Zico, ainda nos juvenis. Tiveram, na ocasião, que me convencer a permanecer no estádio, já que o espetáculo que haveria de ver, não era o que acabara de assistir. "Aquele show do galinho" era só uma "preliminar". E realmente era.

 

Só agora então percebi, que desde minha infância, nunca mais havia compartilhado com meu velho uma ida ao estádio. Mesmo morando ele, praticamente ao lado do Engenhão, recente e honrosamente rebatizado de Estádio Nilton Santos.

 

Optei então por surpreendê-lo ao convidá-lo a princípio, apenas para um passeio. Mas quando já, no avançado da hora, visto que nada havia sido programado com antecedência, percebi que precisaria do carro, vi que este estava em poder de minha filha. Felizmente, praticamente a caminho de casa. Combinamos então a troca de piloto na porta do prédio pra ganhar tempo. Mas, à sua chegada, já também além do horário combinado, fui surpreendido por ela ao aceitar meu convite para acompanhar-nos. Pronto! Acabei ganhando também o meu presente.

 

Ao chegarmos à casa dos meus pais, no Méier, o meu velho, ainda sem saber do paradeiro do passeio, desculpou-se e lamentou o fato de não poder nos acompanhar, alegando evitar deixar minha nonagenária mãe, sozinha. Que bonitinho... Mas ao saber que, "infelizmente" pretendíamos levá-lo ao Maracanã, prontamente engendrou toda a logística medicamentosa, e com o consentimento e incentivo da matriarca, deu "um perdido" na velha, e "Partiu Maraca!!".

 

Mesmo frente a toda falta de organização, tanto nossa quanto dos organizadores do evento, que fizeram de tudo para dificultar a compra dos ingressos no local, nada nos privou do primeiro encontro dessas três gerações no outrora maior estádio do mundo, sexagenário templo do futebol.

 

Foi não só o meu melhor presente de dia dos pais desde certos quinzes de novembros, dia do coincidente nascimento de duas das minhas paixões: meu Mengo e minha filha; como também acredito tenha sido este passeio, meu melhor presente recente ao meu velho. A contar que desde o porteiro aos guardas do policiamento do estádio, envaideceu-se pelo presente recebido, a todos pelo caminho.

 

Durante a partida, sua neta nos flagrou hipnotizados pela magia que só os amantes do futebol entendem.

 

Hipnóticos no Maraca

 

Entre tantos jogos e títulos presenciados no Maraca, pela segunda vez na vida, fui ao estádio assistir a um jogo do Flamengo, em que o resultado mais marcante, não foi o do jogo, independentemente do placar favorável. Pois só nesses dois extremos Fla-Flus; por Zico no primeiro, meu pai e minha filha no último; que me perdoem os deuses do futebol, mas o Mengão foi coadjuvante.

 

Obrigado Renato por me acordar para o fato de que quando já não mais tivermos a presença de um ente tão querido ao nosso lado, nos restarão apenas, a sensação de estarmos sendo por ele observados; e as lembranças indestrutíveis de momentos simples como estes, na mais divina das câmeras fotográficas: nossa memória afetiva, que nem mesmo um Alzheimer haverá de ousar apagar.